segunda-feira, 23 de junho de 2014

A segunda experiência

Em torno das quatro semanas e meia o embriãozinho parou de se desenvolver... Em torno das seis semanas (pelos meus cálculos) ou oito semanas (pelo cálculo padrão pela última data da menstruação) eu comecei a sangrar. Houve, quem dissesse que era nidação, e ainda quem dissesse que era ficar em repouso que tudo ficaria bem, a gravidez prosseguiria. Mas ao ver o ultrassom e essa incompatibilidade, eu ja sabia, era aborto.

Ao contrário da outra vez, essa eu pude acompanhar com mais consciência, consegui perceber o que havia acontecido e isso me deixou mais calma com o processo todo. Era uma gestação anembrionada, não havia nada dentro do saco gestacional e ele simplesmente parou ali, em quatro semanas. E, naturalmente o corpo entendeu e mandou pra fora.
Os médicos daqui de Ubatuba são muito mal preparados, ou mal atualizados, ou sei lá o quê. No posto onde estava acompanhando o pré-natal disseram que eu deveria fazer uma curetagem (procedimento cirúrgico para retirar qualquer vestígio de gravidez de dentro do útero, é usada anestesia e um tipo de "raspagem" manual uterina) com urgência, ninguém me deu diagnóstico de nada, ninguém se preocupou em me explicar nada, além do fato de que eu iria com certeza ter uma infecção e perderia meu útero. Precisei de atestado médico, por conta de trabalho, e se recusaram, me deram uma guia para a curetagem apenas. E ainda falaram pro Henrique me convencer a ir, porque eu estava alterada.

No hospital, o médico quis me internar para tomar medicação e repouso. Quando questionei a diferença gestacional e a possibilidade real de ser um aborto, pela análise de ultrassom, ele não me disse nada. Quando questionei o que aconteceria se de fato se concluísse em aborto, ele disse que eu seria levada para a curetagem, e essa era a única opção. 

Como eu já tive outra experiência com aborto, sem curetagem, eu sabia que essa não era a única opção. Questionei, pedi um atestado médico, as medicações que ele disse que eu tomaria no hospital mesmo. Consegui apenas 5 dias para ficar em repouso em casa e fui embora. Em casa realmente fiz repouso e tomei medicação, era o que dava pra ser feito. Ficar internada não era uma opção. Nunca consideraria ficar num lugar estranho, sozinha e sem ter com quem conversar numa situação em que tudo que precisamos é ter calma e sentir acolhimento... E no meu caso ainda ficar preocupada com o Linus, que ficaria triste em casa sem entender nada. Cara, isso não é uma opção, ainda mais sabendo que eles iam me mandar pra sala de cirurgia, de qualquer jeito.

Fiquei em casa, pesquisei muito sobre aborto, sobre curetagem, li relatos, li textos da organização mundial de saúde, li até um livro sobre procedimentos cirúrgicos no sistema reprodutor feminino. E só consigo pensar que os médicos daqui não sabem o que estão fazendo.

Passado dois dias dessa ida ao hospital, meu corpo expeliu o que restava, sem dores, sem dificuldades, um pedaço inteiro do que eu acho que era a placenta. E nessa quarta feira, fiz outro ultrassom e tudo estava de acordo, útero limpo, já em período fértil. E esse é o normal. O corpo feminino está apto a expelir sangue,  coágulos e bebês, em condições saudáveis e naturais e procedimentos cirúrgicos são colocados como primeira opção desconsiderando a nossa natureza. Desconsiderando que todo procedimento cirúrgico traz também muitas reações desagradáveis e consequências que muitas vezes prejudicam o paciente. Por isso só devem ser feitas quando não temos outras opções. 

A curetagem por exemplo coloca a mulher em espera por três meses antes de tentar engravidar novamente, quando num processo natural, a mulher pode engravidar logo em seguida. Em alguns casos a curetagem pode ser mal indicada como em casos de endometrite e só piorar a condição de saúde. Sem contar o peso de uma anestesia, que é uma invenção salvadora, mas convenhamos que não é um procedimento suave e tranquilo... Muito pelo contrário, e se há possibilidade passar sem isso, eu com certeza escolho passar sem isso. Tenho certeza que eu ia ser daquelas pacientes que ia passar muito mal com os efeitos da anestesia e recuperação. Porque, se eu tomar café eu já fico claramente alterada, quem dirá uma anestesia.

É preciso dar um tempo, alguns dias, pro corpo responder, pra tudo voltar aos eixos e, com acompanhamento adequado é possível passar por isso sem traumas a mais, porque perder um filho já é um trauma por si só. No meu caso então, que já estava no meio do caminho pra expelir tudo, não tinha porque acelerar ainda mais o processo. Pelo menos pra mim, não há sentido. Eu sabia que ia dar tudo certo. E deu.

O Linus ficou confuso, ainda não processou o que aconteceu, diz pros amigos que ainda vai crescer um irmão forte na minha barriga, que vai nascer. Isso deixa a gente sem chão... Ele parece querer muito esse irmão. E mesmo vendo o sangue, o embrião, ele ainda não assimilou... E de fato não faz muito sentido, não é o caminho que a gente espera... E ele continua na espera desse bebê.

Sobre passar por abortos de repetição, cada um traz uma experiência diferente, a primeira de sofrimento e incompreensão. Essa de tomar controle de mim mesma diante a postura médica e estudar, entender, me defender. Nem sobrou muito tempo pra lamentar, minha energia foi quase toda a buscar mais e mais informações para fazer o que eu acredito ser melhor pra mim, para a minha família. Não que não tenha sido triste, mas ainda que triste, eu consegui olhar pra tudo isso com mais clareza, e isso tornou o processo mais fácil emocionalmente, comparado ao primeiro.

E também ter essa segunda experiência me fez repensar sobre duas outras menstruações fora de padrão que aconteceram ano passado, me questiono se não foram outros abortos, muito precoces que não identificamos. Eu sinto que sim, apesar de não haver exames clínicos que comprovem.

E agora entramos em um novo momento que eu nunca pensei que fosse passar, ir em busca de conhecimentos sobre a fertilidade de nossos corpos, analisar tudo e controlar meus ciclos dia a dia, fazer exames, essas coisas que a gente nunca pensa que vão acontecer com a gente.

Mas de qualquer forma, penso que podemos ganhar com isso, ganhar mais conhecimento e quanto mais conhecimento sobre nós, diante da medicina, melhor ficaremos pra nos posicionar, nos defender... A impressão é que, em quanto mais médicos passo, mais eu confirmo o quanto eles não são bons em explicar o que acontece com a gente, nem sabem lidar com os questionamentos e com certeza tratam mulheres de maneira desrespeitosa, ao resumir todos os nossos embates e questionamentos como raiva, frustração, nervoso, e qualquer outro sintoma emocional derivado de alterações hormonais. Porque assim parece, mulher doida, vc está frágil porque está na tpm, ou passando por aborto, ou porque está grávida... Ou simplesmente porque mulheres são assim e não vamos discutir com vocês.

Pra que raios uma mulher quer questionar tanto né? 
Só indignação com os médicos. Com a medicina... Mas isso é discussão pra outra hora.


Um comentário:

  1. Nossa, pra mim foi muito forte esse relato Carol e que mulher forte você foi diante de tudo isso. Nem imagino como é perder um bebê, sei como é fazer de tudo para não perde-lo, eu quase abortei o yuri com 4 meses, fiquei de repouso absoluto os 4 meses seguintes, nasceu prematuro mas de parto normal, pq me informei e fiz tudo o possivel. Informação é nossa melhor arma para nos defender fisicamente e psicologicamente.
    Acredito que você tomou a melhor decisão, acompanhei recentemente o aborto de uma amiga, que se largou na mão dos médicos, fez curetagem, sofreu fisicamente além do emocional, sentia como se o nervo da perna repuxa-se, além de dor na vagina.
    Nosso corpo foi preparado pra tudo isso, gestar e abortar, deixa-lo livre para se recuperar é o melhor.
    Logo mais o linus ganha esse tão desejado irmão, e por mais que nosso contato seja tão recente, se precisar de ajuda pode falar, dou um jeito e dou um pulo ai.
    Bjooo no coração.

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